25 de setembro de 2019

Entrevista com a climatologista Daniela Cunha: Porque choveu pouco no leste de Minas este ano?

A falta de chuva pode causar diversos problemas, os principais são: crise hídrica, dificuldade de irrigação de plantios agrícolas, falta de água ou racionamento para consumo humano e consumo animal, comprometimento dos cultivos agrícolas, favorecimento das queimadas e da poluição do solo, cursos d’água e atmosfera, aumento da temperatura, entre outros.
O Blog Amantes do Tempo entrevistou Daniela Cunha climatologista do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) sobre a falta de chuva no leste de Minas Gerais.

Governador Valadares a maior cidade do leste de Minas sofre com estiagem este ano — Foto: Lucas Nishimoro/Arquivo Pessoal.

Amantes do Tempo: Porque choveu pouco no leste de Minas este ano?


Daniela Cunha: Desde março deste ano que, em geral, não chove o previsto nas normais climatológicas das cidades do leste de minas, sendo tal situação agravada com o início do período seco na região – abril a setembro, no qual as médias pluviométricas esperadas são muito baixas. Dessa forma, chover abaixo da média em algumas cidades durante esse período seco significa dizer que praticamente não choveu. As chuvas que ocorrem em Minas Gerais e, consequentemente, na região leste, resultam da atuação de sistemas atmosféricos que se deslocam da região norte e da região sul do Brasil e, por isso, fala-se que Minas Gerais situa-se em uma região de transição climática, sendo que, durante o período seco, as chuvas são o resultado, principalmente, do avanço de Frentes Frias. Os baixos volumes de chuva serão resultado, assim, da não atuação dos sistemas produtores de chuvas, os quais foram impedidos de atuar devido a dois fatores especialmente: 1º a atuação da Alta Subtropical do Atlântico Sul – ASAS que se posicionou mais sobre a área continental e, especialmente sobre Minas funcionando como um bloqueio atmosférico e impedindo a entrada umidade do norte do país e das frentes, e 2º pelo maior resfriamento durante o inverno das águas do Atlântico, o que também altera a trajetória das frentes, fazendo com que elas se direcionem mais para o oceano e menos para o continente.

Amantes do Tempo: O problema da falta de chuva em várias cidades da região, principalmente, é preocupante? Quais as causas? Houve falta de cuidado de parte do poder público?

Daniela Cunha: Sim é preocupante porque a cada ano que passa mais nos tornamos dependentes dos volumes de chuvas para alimentar os cursos d’água e menos nos preocupamos com a reposição de água dos aquíferos que manterão as nascentes com água e, por consequência os rios, durante os períodos secos, que são característicos do clima local. E pensar nessa situação é pensar que o cuidado perpassa por todas as esferas e instituições da sociedade, ou seja, é responsabilidade de todos pensar e agir em conformidade com as causas ambientais. Pois para manter nascentes com água nos períodos da seca é preciso preservar nossas matas, pois elas contribuirão para a reposição de águas nos aquíferos durante o período úmido. Sem a vegetação nos topos de morros e encostas, a água das chuvas do período úmido escoa mais que infiltra no solo, ou seja, não ficam no sistema, são rapidamente “perdidas” nos cursos d’água e como resultado, no período seco, os leitos ficam com volumes de água muito baixos. E, o pior, além de não preservamos o pouco que ainda temos, estamos é destruindo, os dados de queimadas desse ano são alarmantes.

Amantes do Tempo: Há possibilidade de racionamento de água em Governador Valadares nos próximos meses por conta da falta de chuva? 

Daniela Cunha: O período chuvoso na região inicia-se em outubro e vai até março do ano que vem, com isso espera-se que gradativamente o volume de água dos rios e, principalmente do rio Doce, seja resposto. É importante, contudo, destacar que ainda nos meses de outubro e novembro espera-se chuvas irregulares e abaixo da média, sendo, portanto, importante que a população contribuía usando esse recurso sem desperdício para se evitar o racionamento.

Amantes do Tempo: Porque o clima mudou tanto no leste de Minas nos últimos anos?

Daniela Cunha: Eu não afirmaria que o clima mudou, uma vez que para ocorrer mudança nesse é preciso observar alterações nas médias climatológicas – média de dados climáticos como temperatura, chuvas, dentre outros, observados em um período de 30 anos. Em trabalho recente de doutoramento, verifiquei, por exemplo, a ocorrência de variações pluviométricas anuais na bacia do rio Doce, sendo que, os dados das normais pluviométricas sofreram pequenas mudanças, as quais não poderiam ser utilizadas para caracterizar uma mudança no clima. Assim, considero ser mais correto afirmar que o clima da região passa por variações, as quais inclusive são comuns/naturais e, para falar em mudança acredito ser necessário mais estudo e dados.

Amantes do Tempo: Na Segunda-feira a primavera começou o que podemos esperar na região? Teremos onda de calor?

Daniela Cunha: A primavera chega com chuvas irregulares e abaixo da média especialmente em outubro e novembro e, consequentemente, com maiores temperaturas, as quais ficarão entre 0,2 e 0,4 graus acima da média.

Amantes do Tempo: No meado de setembro tivemos uma onda de calor muito forte na região podemos afirmar a região está sentindo efeitos das mudanças climáticas?

Daniela Cunha: Como já disse anteriormente prefiro, por enquanto, pensar em variações climáticas, uma vez que, a longo prazo, as médias não sofreram alterações que caracterizariam as mudanças. Por outro lado, é notório que os efeitos das variações tem sido mais sentidos devido às ações humanas. Um exemplo: A ASAS atuou mais fortemente como boqueio atmosférico impedindo a entrada das Frentes Frias as quais ocasionariam no mês de setembro chuvas e temperaturas mais amenas. A não entrada da frente propiciou a ocorrência de temperaturas mais elevadas que foram ainda mais favorecidas pela ocorrência das queimadas. Pois com as queimadas, a fumaça e o material particulado que ficaram em suspensão na atmosfera contribuíram para a maior retenção do calor junto a baixa atmosfera, próximo a superfície, o que contribuiu para aumentar ainda mais a sensação de calor, ou seja, alteraram o efeito estufa local.

Amantes do Tempo: O que as cidades da região podem fazer nas ações contra as mudanças climáticas?

Daniela Cunha: Atualmente há um debate cientifico grande no entorno da questão, principalmente no que diz respeito às mudanças climáticas globais, se seriam antrópicas ou naturais. Independente desse embate, as cidades/populações devem pensar em mudanças de hábitos em relação ao seu espaço de vivencia, pois em escala local, há o consenso cientifico das alterações que o uso do ambiente pelo homem pode causar em termos de impactos negativos, especialmente no clima. Assim, podemos pontuar, dentre muitas ações: preservar matas para preservar nascentes e cursos d’água; criar espaços urbanos com áreas verdes para amenizar os efeitos das ilhas de calor; estimular o uso de transportes coletivos para diminuir a poluição atmosférica; criar mecanismos mais eficazes de fiscalização e punição aos que praticam queimadas criminosas; enfim, cabe a cada um pensar em cuidados e ações que começam dentro de casa como o uso racional dos recursos energéticos e da água, o destino correto e reciclagem do lixo, ações básicas, mas representativas.

Entrevista feita por Reinaldo Gonsalves

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